Agora, vivo assustado por palavras que não disse, nem sei se deveria dizer. Me crescem pela noite como fantasmas viciosos lacerando minha sanidade e minhas certezas mais absurdas, tenho medo das sombras, são parte de mim que me cercam, tingindo-me vergonhosamente com manchas de tudo que considerei com toda certeza algo resolvido. Seria isso que vim lhes contar? Que a percepção mais lúcida de si mesmo o põe vergonhosamente prostrado e inerte? Talvez, sente um pouco veja o resultado de algo que nem posso chamar arrependimento, frustração talvez de ter passado tudo e que não mais poderei nem ao menos sofrer novamente. É assim tão bizarro sentir prazer em sofrer? Acho que todos sentimos um prazer sórdido no sofrimento, é algo que nos inquieta e nos agita de tal modo que o desejamos, tudo desejamos para sair da estagnação em que nos encontramos diante da reflexão sobre o que somos e encontramos o nada. Posso relembrar vários episódios e com calma o farei, para que minha humilhação me leve de volta ao sentimento insólito do que sinto tanta falta...
Contos de José
quarta-feira, 22 de novembro de 2017
terça-feira, 20 de maio de 2014
As formas na escuridão
Estava escuro, estrelas pontuavam o céu. O dia ainda não havia dado início a sua jornada. O silencio se estendia continuo sendo interrompido apenas pelo barulho suave e distante do vento nas folhas das arvores. Seu peito se enchia e esvaziava lentamente, seu rosto macilento cintilava levemente na penumbra. Há algo no sono que infere nas pessoas uma pureza implacável, nenhum pecado, nenhum mal, nenhum sentimento ao menos, nada se esboça.
A janela aberta permite que a brisa entre e desgrenhe seus cabelos. As horas pareciam preguiçosas e se demoravam a passar. "O que há nessa paz? Me inquieta ver essa expressão" pensei e viajei para dentro do mundo que a face calma escondia.
Havia um céu nublado e uma densa floresta a qual margeava um rio, era possível ouvir o irromper de águas, uma magnifica cachoeira que brilhava pela exclusividade de um único raio de sol. Que cores magnificas, era um verdadeiro prisma! E o espectro tomava forma na nuvem de gotículas.
Pela floresta seguia um caminho estreito e escuro. As folhas pelo caminho estavam afastadas, era sinal de que algo ou alguém ali passara. Seguindo adiante, as arvores de poucas folhas estavam cheias de corvos que apenas encaravam e pareciam acostumados a presença de visitantes. Ao longe era possível avistar uma forma sentada a beira do rio olhando para o espectro colorido e segurando em sua mão um botão de flor amarela.
Seu olhar se voltou para o botão e ele permaneceu ali imóvel como se tempo não existisse, nada parecia abalar seu estado. Me aproximei e toquei em seu ombro e quando o fiz o botão esmaeceu e murchou em sua mão, o céu mudou de cor, tornara-se escuro como a noite, a cachoeira se congelou inteira e o único feixe de luz que iluminava aquele mundo apagara-se. As águas correntes do rio tornaram-se lisas e imóveis, era como um grande espelho refletindo a escuridão, a floresta atrás secara e os corvos voavam grasnando pelo céu como se algo os assustasse.
Ele então se levantou e pulou na superfície fria e lisa da água e sumiu gradativamente dentro dela, o mundo inteiro se apagou e eu fiquei ali me tornando parte permanente daquela escuridão. Senti uma abrupta guinada, uma respiração ofegante e um barulho frenético, era um coração. Senti um terrível medo e parei de sentir pra ser sentido...
Erick Silva
domingo, 12 de maio de 2013
O Vale Taciturno
I. A trilha do corvo
Erick Silva
Tenho
que contar para você o que me aconteceu, foi essa manhã logo cedo, não entendi
muito bem a principio, mas ainda assim foi uma curiosa e esplendida
experiência, não há como não contar, pois cada detalhe estarrecedor dessa
aventura só de lembrar me deixa arrepiado.
Lembro-me de estar dormindo, decerto
realmente o estivesse, pois nunca se abre os olhos sem antes tê-los fechado não
é mesmo? Mas o estranho é que logo que recobro a consciência, percebo que não
estou em meu leito habitual nem tão pouco em qualquer outro conhecida. De olhos
já bem abertos percebi uma nevoa sombria que se estendia pelo imenso vale onde
nada se ouvia. De imediato foi assustador, mas como não sabia onde estava e nem
tão pouco como sair de lá, resolvi me aventurar e explorar o lugar.
Levantei-me, estava contemplando aquela
cena quase imóvel e ainda sentando onde estive antes adormecido, meu olhar
curioso percorreu minuciosamente cada centímetro de tudo que me cercava, senti
mais segurança e assim comecei a caminhada em meio ao desconhecido pensando:
onde estou? Que lugar é esse? Quando escuto um barulho estridente que tanto me
assusta quanto me deixa maravilhado, ao olhar para os céus, admirado contemplo
o causador de tal barulho, um corvo, mas não qualquer corvo e sim um corvo
branco, com apenas uma pena preta em seu peito, seus olhos eram vermelhos e me
encararam familiarmente, como se já ali estivesse a esperar por mim e soubesse
quem sou, e como que preso em uma ilusão estive paralisado admirando-o, mas o
pássaro simplesmente me encarou, ele virou a cabeça e voou imponentemente
através da nevoa e esta se abria totalmente ao bater de asas da magnifica
criatura.
Senti que a criatura sabia quem eu era e
também o que eu sentia, como se entre nós houvesse uma ligação e ele visse
todos os meus anseios e desejos. Percebi que ficou parado num dos galhos de uma
das varias arvores sem folhas daquele vale, mais adiante, ele queria que eu o
seguisse, eu o sabia instintivamente e me perguntei como, mas não encontrei uma
resposta plausível o que me deixou ainda mais intrigado com aquele misterioso
acontecimento. Segui-o então e percebi depois de uns duzentos metros de
percurso ao escutar novamente o grasnar da ave que seus olhos já não eram mais
escarlates, mas sim negros e escuros como a noite, tentei imaginar como isso
era possível, mas sem nenhuma resposta em minha mente apenas continuei a
segui-lo admirado com as sombras em volta e a profundidade do vale.
Em certo ponto da longa caminhada escuto
um barulho familiar, um rio, uma pequena cachoeira talvez, mas ao tentar sair
da trila do corvo as sombras das arvores se mexiam de forma estranha como se
estivessem vivas e desejassem meu sangue, me assustei, engoli a seco e voltei à
trilha rapidamente, quando percebi novamente o barulho do corvo, e ele agora
não apenas estava com os olhos negros, agora também mais penas pretas
apareceram manchando sua imaculada brancura, o que deveras me deixou muito
intrigado e assustado. Me senti preso a uma interminável partida de chaturanga[1]
sem conseguir identificar quais critérios devia obedecer.
Eu apenas
continuo seguindo pelo caminho do pássaro, a jornada apesar de longa não me
deixava cansado nem sedento e quando preso absorto em meus devaneios, paro e me
dou conta que a ave desaparecera, penso: para onde foi? O que queria de mim? Me
posicionei de cócoras e estive dessa forma apavorado, pois estava novamente
sozinho e sem saber o que fazer nem para onde ir é quando uma lagrima escorre
pelo meu rosto. Novamente escuto o grasnar, rapidamente levando a cabeça em
busca da localização do corvo e quando o acho me surpreendo mais do que de
todas as outras vezes, pois agora a ave não mais era branca, agora era
totalmente preta e a pena preta em seu peito ficara vermelha como sangue e
tinha um brilho fugaz que só era perceptível quando ele fazia leves movimentos.
Notei que
dessa vez estava pousada sobre um galho mais baixo e a suas costas havia uma
imensa sombra, me aproximei e vi que seu peito começou a brilhar intensamente
onde havia a pena carmesim, tentei tocar a ave ela permaneceu imóvel e de seu
peito me apareceu um cabo, eu o agarro e puxo uma longa katana de lamina
vermelha saia de seu peito e quando consegui ver a ponta da espada o corvo
libera seu ultimo e mais temível grasnado quando se desfaz em penas que voam ao
meu redor e são levadas lentamente pelo vento, quanto a pena vermelha eu
percebi que pendia como ornamento do cabo da espada e mantinha o mesmo brilho
ardente e agora mais que antes.
Senti então,
nesse momento, que devia lutar contra algo, com a arma em punho me dirigi
lentamente ao fim do vale onde as sobras reinavam imperiosas, senti um terrível
arrepio que quase congelou minha espinha e novamente senti a sede se sangue das
sombras que se mexiam silenciosas, quando então vi uma sombra maior, um homem
talvez, mas fugiu inusitadamente quando eu acreditava que seria meu oponente,
nesse momento o vale perde seu aspecto mais sombrio, então, vejo inúmeras
gaiolas presas umas as outras e dentro delas inúmeras aves lindíssimas as quais
eu jamais havia visto antes, talvez aves do paraíso, tão belas que nem me
pareciam ser reais, a pena que pendia do cabo da katana começou a brilhar mais
intensamente, abri todos os cadeados brandindo a espada que produzia um som
parecido com o grasnar do corvo, libertando todos os pássaros que voaram em
direção ao céu num rebanho magnifico e por onde voavam traziam brilho, luz e
beleza, contemplando aquilo estarrecido fecho meus olhos e abro os braços
sentindo uma imensa nostalgia, senti um leve desconforto e abri os olhos
novamente, notei que estava em casa deitado em minha cama, levantei-me de
súbito e minha cama estava repleta de penas negras.
Depois de tudo
ainda continuo acreditando que nada foi apenas um sonho, como poderia?
[1] Chaturanga é um antigo jogo de tabuleiro indiano que se acredita ter originado o Jogo de Xadrez, o Shogi e o Makruk, e é relacionado com o Xiang Qi (ou Janggi). Surgiu provavelmente no Século VI d.C., sendo considerado o predecessor do Shatranj que, por sua vez, veio a originar o xadrez moderno.
PS: Este conto foi produzido antes de o blog ser lançado, mas o mantive longe das páginas do blog por um tempo, até decidir que estava em tempo mostrar um pouco mais além de "José".
terça-feira, 15 de janeiro de 2013
Um dia de José! (Primeiro conto de José)
Um
dia bem cansado, querendo eu ficar de pé, foi um episodio muito engraçado, mas
houveram risos de má fé. Num daqueles dias mal criados, acordara eu, o tal
José, nem feio nem bonito, apenas um qualquer, apenas um José. –Por hora já me
basta de poesia, acredito que você, caro leitor, já se encontra impaciente
diante de tantas rimas para minha introdução, pois bem, que seja! Vamos ao fato
então; Ah! Quando lembro eu daqueles risos, claro que fico irritado, mas de
fato foi engraçado; –Calma amigo impaciente narrarei para ti o ocorrido.
Ocorreu
que certo dia, eu, José, acordei bem cedo como de costume e ao banheiro fui me
assear, tive uma péssima noite de sono e o espelho me refletiu largas olheiras
que tornavam minha imagem lúgubre como a de um moribundo. Após lavar-me fui à
cozinha preparar o café, pois é, eu não tenho mulher; para um homem como eu é
difícil encontrar uma parceira, não entendo as mulheres, dou-lhes tudo que
sempre quiseram e ainda assim não se dão por satisfeitas. Parece-me que querem
mesmo é me ter em cativeiro como um passarinho, sempre acabo desistindo de
entender e, por conseguinte de querer. Como havia lhes dito no principio, nem
sou feio nem bonito, alto e delgado, feições comuns, a pele dourada pelo ardor
do sol, a única coisa que adorna minha aparência são minhas vestimentas das
quais tenho muito gosto.
Ao
preparar minha primeira refeição diurna dei-me por falta de laranjas; gostara sempre
de um café da manhã saudável e frugal. Fui à quitanda comprar algumas laranjas.
Lá chegando a primeira que vi foi Dona Cida, uma senhora trabalhadora que nunca
negara sua responsabilidade por preguiça, todos os dias antes do sol raiar
estava ela lá a por suas frutas frescas a vista dos fregueses.
–Bom
dia Dona Cida, disse ao encontrá-la.
–Muito
bom dia José, em que posso ajudá-lo?
–Sabe,
estou a sofrer de uma terrível falta de laranjas para o desjejum.
–Ora,
não seja tão dramático. –Ria-se ela enquanto me ajeitava as laranjas numa
sacola.
Mas
Dona Cida tinha um grave defeito que as mulheres da feira costumam ter, era
maroca! Não uma simples fofoqueira, mas um verdadeiro jornal popular, de tudo e
sobre todas as pessoas, algo Dona Cida sabia. Logo ao me entregar a sacola,
veio me rodeando com aquele ar de curiosidade que fazia questão de demonstrar,
levantando a sobrancelha como quem observa e ao mesmo tempo julga. Vinha ela me
sondar, mas mal sabia ela que eu já sabia de suas artimanhas e pior que isso de
sua fama que, com frequência era lembrada no calçadão da feira.
–Meu
bom rapaz, ainda não achara uma boa moça para casamento? Pergunta ela bem
diretamente.
–As
mulheres são como um afresco, obras de arte divinais e monumentais construídas
pela natureza, mas ao mesmo tempo são como uma caixa de Pandora, quem sabe que
segredos lhes habitam o coração, fui lhe dizendo, mas ela parecia não
entender-me.
–Dona
Cida, quando a implacável hora do matrimonio vier a cair sobre mim fique certa
de que saberá!
Dito
isso me despedi e deixei a senhora fofoqueira aparentemente curiosa a meu
respeito, pois a muito me conhecia, mas pouco sabia de minha vida, sempre
procurei ser integro e reservado no que diz respeito a minha intimidade. Voltei
para casa perdido nas palavras que eu mesmo havia dito e na inquisição da
senhora, caminhava lentamente pela rua na sombra das árvores e acompanhado pelo
chiado dos pássaros estive perdido, absorto em meus pensamentos, foi quando a
vi, a misteriosa moça, cuja identidade, para mim, era totalmente desconhecida.
Uma
mulher sem igual, de uma beleza fresca como um botão de rosa que acabara de
desabrochar, sua pele parecia macia como a seda, seus longos cabelos negros
contrastavam na brancura da pele, seu rosto tinha a doçura de anjo barroco e
seu olhar profundo e verde tinha um ar misterioso, sua boca entreaberta era
carnuda e levemente corada, uma mulher que despertaria em qualquer homem um
desejo abrasador e comigo não foi diferente, fiquei extasiado. Na tentativa de
descobrir sobre a moça fui apressadamente atravessando a rua, o que para meu
infortúnio foi um verdadeiro desastre. Na maldita, porém, justificada pressa
que me levou ao desconcerto, tive não mais que poucos segundos, não foi o suficiente
para alguma reação. A sacola me escapuliu da mão, foi quando as laranjas
ralaram pelo chão. –Eis que você já deve ter notado amigo leitor, o desastre
que houve. Naquele momento rápido ao dar um simples passo tive o azar de
acertar uma laranja que rolava e essa única laranja me levou desastrosamente rumo
ao chão.
Que
cena desconcertante; a rua inteira viu o que aconteceu, muitos comentários e
risos ecoaram ao mesmo tempo e eu continuei ali inerte e inconsolável sob a
vista dos lindos e profundos olhos verdes daquela moça. Foi quando percebi que
seu semblante, diferente dos outros, estava sério e poderia ser até minha
imaginação, mas garanto que pude notar certo ar de incomodo pela chacota que
faziam de mim. Fiquei ali sentado no chão olhando-a e ela me encarando,
senti-me tomado pela vergonha e o rubor tomou toda minha face. Para minha incrível
surpresa a moça caminhou ate mim, estávamos a pouco mais que cinco metros de
distancia um do outro, ela me estendeu a mão e ajudou-me a levantar. Enquanto
recolhia as laranjas caídas, percebi que as pessoas ao redor de súbito se
calaram como uma orquestra que cessa ao sinal do maestro.
–Que
inoportuno para o senhor, vivenciar uma cena dessas em meio a esses abutres. –Disse-me
ela com um doce sorriso nos lábios.
–Não
ligo para o fato dado o resultado. Posso acompanhar-te? Senhorita... Perguntei-lhe
rapidamente.
–Ora
mil perdões! Chamo-me Erika. –Disse-me ela inclinando a mão.
Disse-lhe
meu nome e beijei sua mão coberta por uma fina luva de rendas e bordados, ela
aceitou meu pedido e saímos caminhando pela calçada. Eu caminhava com passos de
tartaruga tentando alongar o máximo possível aquele momento, enquanto isso, as
fofocas tomaram conta da rua dado o improvável resultado da minha sena cômica,
ao virar a cabeça vi ao longe Dona Cida com um longo sorriso no rosto e um
olhar maldoso que prometia noticiar-me qualquer fato referente à moça na
próxima vez que a visitasse. Alguns rapazes que me viam acompanhando-a pareciam
desferir-me um olhar de desdém. Apesar de protelar o máximo possível o fim de
nosso encontro, acompanhei-a por pouco tempo, pois logo nossos caminhos se
dividiram. estive receoso e pouco consegui com a conversa que tivemos, sinto
que ela abriga ainda segredos que não pude desvelar nesse curto encontro que
tivemos. Despedi-me dela e agradeci pela ajuda, ela riu e disse-me até mais.
Voltei para casa desolado, imaginando quando ou se a veria novamente. –Mas esse
meus amigos é outro capítulo!
Assinar:
Postagens (Atom)